Movistar: o passo certo para Rúben Guerreiro?
A Movistar Team convidou-me para uma brincadeira a propósito da apresentação do Rúben Guerreiro.

A Movistar Team convidou-me para uma brincadeira a propósito da apresentação do Rúben Guerreiro. Não era um segredo de estado, mas lá dei as pistas e pouco depois era oficial: o cowboy assinou por três anos pela Movistar. Como a publicação foi feita nas redes sociais da equipa, é normal que daí tenham surgido perguntas. A mais frequente foi: “É o passo certo na carreira do Rúben Guerreiro”?
🎤🇵🇹📺 Todo un honor que @gmoreira_esp, voz del ciclismo en @EurosportTV_Por, nos ayude a dar a conocer quién puede ser el segundo fichaje de nuestro #SigningDay #MovistarTeam2023.
— Movistar Team (@Movistar_Team) October 19, 2022
Y lo hace en su idioma... 😃 pic.twitter.com/lqyBKoV07X
As decisões são tomadas com base no presente. Partindo desse princípio, sim, o Rúben escolheu bem. Três anos de contrato com uma estrutura sólida e num contexto global de instabilidade? Com espaço para liderar no Giro de Itália e na Vuelta a Espanha? É bom de mais.
Foco-me no Giro por ser o espelho de uma Movistar que tem vindo a perder referências: Alejandro Valverde este ano, Marc Soler, Richard Carapaz, Mikel Landa e Nairo Quintana num passado recente. Em 2019, ainda com Carapaz e Landa fizeram o último grande Giro: vitória do equatoriano e 4º para o basco.
Das três grandes Voltas o Giro é a que menos pesa no historial da estrutura – estreia em 1988 como Reynolds; duas vitórias com Miguel Indurain pela Banesto. No entanto, a realidade recente é distinta. De 2014 a 2019 a Movistar ou ganhou (com Quintana e Carapaz) ou meteu homens no top 5, mas entretanto perdeu força – Sérgio Samitier foi 13º em 2020, Antonio Pedrero foi 22º em 2021 e o Bala foi 11º em 2022.
A conclusão é óbvia: a Movistar precisa de um líder para o Giro. Enric Mas tem lugar cativo no Tour, mas na Vuelta sempre partilhou a liderança. Tudo isto é música para os ouvidos de um Rúben Guerreiro desejoso de andar por Itália a dar “tiros para o ar” e mostrar que tem madeira de líder.
Um ciclista “con dos cojones”
O cowboy sabe que dois top 20 em cinco grandes Voltas não são um cartão de apresentação que permita exigir o Tour, sobretudo quando em Espanha é um corredor reconhecido pelos especialistas, mas pouco familiar ao resto da afición. Acredito que seja questão de tempo até a conquistar, já que Rúben Guerreiro é um atleta de “gosto adquirido”: quanto mais o vemos correr mais o queremos ver porque sabe sofrer, não tem medo de atacar, tem um punch que recorda Valverde e a nível humano é irreverente, engraçado e respira confiança.
Os espanhóis gostam de alguém que lhes transmita certa altivez e que assuma a corrida “con dos cojones”, como diría Chente García Acosta. Quantos fãs conquistou Mas atacando Evenepoel na Vuelta e Pogacar na Lombardia?
Podíamos acrescentar certo potencial do cowboy de Pegões Velhos nas clássicas para puncheurs [7º na Fléche Wallone e 15º na Strade Bianche este ano; 5º Plouay em 2018] e em corridas de uma semana [3º Volta à Alemanha, 6º Volta a Burgos este ano; top 10 no Tour dos Alpes, Down Under, Volta à Turquia e Volta à Bélgica desde que corre no estrangeiro]. Sem esquecer que Rúben Guerreiro foi campeão nacional em juniores, sub-23 e elites.
Sair da zona de conforto
Em 2023 inicia-se o triénio que pontua para a renovação das licenças WorldTour atribuídas a partir de 2026.
Para evitar ser relegada a ProTeam, a Movistar teve que sair da zona de conforto. No início de agosto estavam na 16ª posição no ranking UCI com 738 pontos sobre a Lotto – o cenário de que a única equipa espanhola fosse despromovida era real!
Sem o empoderamento de Gonzalo Serrano, Alex Aranburu ou Ivan Cortina não teria sido possível reverter a situação. Sem a capacidade de Mas dar a volta por cima ou a constância de Valverde teriam caído à segunda divisão. Mas o essencial foi a mudança de mentalidade: a Movistar foi valente e saiu airosa… e valente é o nome do meio de Rúben Guerreiro.
Nem vou abordar em detalhe o possível interesse da Ineos Grenadiers e da Bora-Hansgrohe. Considero que a primeira seria excelente do ponto de vista financeiro, logístico, mas teria o inconveniente de estar tapado pelo plantel mais completo do WorldTour. A opção Bora é mais parecida com a da Movistar: equipas com orçamentos semelhantes, mas com líderes integrados no grupo como Aleksandr Vlasov, Jai Hindley, Sergio Higuita, Emanuel Buchmann e Max Schachmann. Porquê ser mais um quando se pode criar um espaço próprio?
Um detalhe sobre a mecânica da transferência e termino. Na base da saída da EF e chegada à Movistar esteve o agente italiano Giuseppe Acquadro, especialista em desvinculações contratuais que desviou Ivan Ramiro Sosa da Trek, Andrey Amador e Richard Carapaz da Movistar e converteu Egan Bernal em milionário. Por algo lhe chamam o Jorge Mendes do ciclismo, já que Acquadro tem viabilizado operações improváveis.